segunda-feira, 21 de julho de 2014

TÉDIO

                                                                   
Venho ,doutor, fazer-lhe uma consulta.          
A doença que me punge e estereliza a mocidade e o espírito, resulta de uma chaga que nunca cicatrizou.
Muito embora mal comum a muita gente a de que sofro atroz hipocondria, tanto me torna pensativo e doente que não sei o que é paz nem alegria.
Sendo o mais sábio clinico do mundo sois também um filósofo notável..
Do peito humano auscultador profundo, curareis este mal inexorável que me esmaga o organismo, fibra a fibra, que me enevoa o cérebro e o condensa.
Eu tenho um coração que já não vibra, suporto uma cabeça que não pensa.
Este tédio mortal, tédio agoureiro que me envenena me escurece os dias.
É como os beijos dados a dinheiro numa noite de orgias.
Refletindo, responde o médico ao cliente:
O amigo tem razão,padece realmente.
Contudo, a enfermidade, o morbus que o devora é um produto fatal do século de agora, uma emoção vibrante, um abalo violento, pode cura-lo, creio, apenas um momento.
O tédio é uma sombria, uma fatal loucura, onde se esquece tudo, a sorte, a vida amada, o nosso próprio ser... e só se lembra de nada.
Diga-me, alguma vez amou? Nunca em seu peito estrugiu das paixões o temporal desfeito, como as vagas de um mar, que se agita e encapela ao sortuno rumor do vento e da procela?
Nunca!
Pois meu caro procure a agitação constante, um prazer esquisito, um gozo triunfante .
Já visitou a Grécia, o Oriente, a Terra Santa, os sítios onde tudo hoje evoca e decanta as glórias de uma idade imorredoura, eterna que amesquinha a geração moderna?
Em híbridos festins passei a mocidade, percorri viajando o mundo e a humanidade como o Judas da lenda.
E entre as mulheres todas cujos lábios beijei, em bacanais e bodas. Mulher nenhuma eu vi em terra tamanha que para não fosse uma visão estranha. Como parti, voltei sem achar lenitivo para esse mal. 
Doutor, que assim me traz cativo.
Frequente o circo amigo. A figura brejeira do famoso arlequim que a esta cidade inteira palmas e aclamações constantemente arranca, talvez lhe restitua a gargalhada franca.
Vejo agora doutor, que o meu caso é perdido, o truão de que fala, o palhaço querido, que anda no coliseu assim aclamado, em um riso de morte, um riso mascarado que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço...
Sou eu,  esse palhaço.

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